sexta-feira, 10 de julho de 2009

A INDEPENDÊNCIA DA BAHIA - TEXTO 1

A guerra da Bahia - por Tiago Cordeiro
Durante um ano e cinco meses, brasileiros e portugueses se enfrentaram pelo controle de Salvador. A derrota lusitana, no dia 2 de julho de 1823, ajudou a consolidar a independência do Brasil, proclamada em setembro de 1822
Faltava meia hora para a igreja do Convento de São Francisco badalar os sinos das 6 da manhã. Mas o despertar dos moradores do centro de Salvador naquele 19 de fevereiro de 1822 teve um som diferente: tiros de canhão. O alvo da artilharia era o forte de São Pedro, ocupado por centenas de soldados brasileiros amotinados. Nas ruas vizinhas, militares portugueses estavam de prontidão. Três canhões foram estacionados por eles na rua das Mercês. Com os disparos, dezenas de famílias correram para o porto e deixaram a capital em busca de suas fazendas. Muitos só retornariam um ano e cinco meses depois. Entre aquela manhã quente de verão e o dia 2 de julho de 1823, Salvador e seus arredores tornaram-se praças de guerra. De um lado, os colonizadores defendiam a permanência de Portugal no poder. Do outro, brasileiros queriam independência para o Brasil.
O pavio para a guerra na Bahia foi aceso em agosto de 1820, dois anos e um mês antes da proclamação da Independência do Brasil. Dom João VI ainda vivia no Rio de Janeiro, quando os moradores da cidade do Porto, em Portugal, iniciaram uma rebelião que exigia o retorno da corte a Lisboa e pedia que Portugal voltasse a tratar a colônia com mais rigor. Ainda em 1820, foi criado o primeiro Parlamento português, que mudou os comandos militares de dez províncias brasileiras: Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Piauí, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O escolhido para ocupar Salvador foi o brigadeiro português Inácio Luís Madeira de Melo. O pulso firme com que o militar assumiu o posto ajudou a detonar a revolta dos baianos.
Madeira de Melo não estava para brincadeira. Ao chegar a Salvador, em fevereiro de 1822, se fez acompanhar por 1100 soldados portugueses. No dia 15, comunicou à junta administrativa e ao governador das Armas, o tenente-coronel Manuel de Freitas Guimarães, a intenção de tomar posse imediatamente e de ocupar as fortalezas da cidade. Quando Freitas Guimarães respondeu que só deixaria o cargo se notificado pela corte, Madeira o acusou de desobediência. Em resposta, sentinelas foram colocados no forte de São Pedro, para alertar aos portugueses que eles não entrariam com facilidade. Foi aí que começou a cena do início desta reportagem.
A batalha iniciada em 18 de fevereiro só terminou depois de 72 horas, com 300 mortes estimadas. Durante os três dias de tiroteios, até uma inocente abadessa de 61 anos foi morta com um golpe de baioneta no peito. O último foco de resistência brasileira, o forte de São Pedro, caiu na madrugada do dia 20. Madeira de Melo assumiu o comando da capital no dia 2 de março. Salvador estava tomada, e a partir de então os portugueses encontrariam pouca resistência na capital. Mas, nas cidades vizinhas, o contra-ataque já começava a se organizar.
Capital rica, mas frágil
Salvador, nessa época, tinha cerca de 100 mil habitantes. “Era a segunda cidade do Brasil e uma das maiores das Américas”, afirma o historiador Ubiratan Castro, diretor da Fundação Pedro Calmon, em Salvador. “Era uma metrópole em ebulição, com uma elite insatisfeita com as tentativas de recolonização que partiam de Portugal. As atitudes de Madeira de Melo transformaram esse sentimento de insatisfação em uma guerra do interior contra a capital.” As famílias expulsas de Salvador estavam cada vez mais convencidas de que o jovem regente dom Pedro I era o homem certo para garantir, no mínimo, a autonomia brasileira. Por outro lado, Madeira de Melo dominava uma metrópole imponente, mas incapaz de se manter sozinha. “Desde a fundação da cidade, esse foi o calcanhar-de-aquiles para qualquer invasor. A capital era um entreposto militar e comercial, mas não produzia alimentos”, diz Antonietta D’Aguiar, historiadora do Arquivo Público da Bahia. As riquezas distribuídas pelo porto vinham das fazendas do Recôncavo, a região em torno da baía de Todos os Santos de solo fértil e grande produção de cana. Em poucos meses, Madeira de Melo estaria isolado na capital e condenando a si e a seus homens a passar fome.
A partir de março de 1822, os senhores de engenho do Recôncavo financiaram a criação de um exército de voluntários. Em abril, o comandante português de Cachoeira, o capitão-mor José Antônio de Almeida Fiúza, informava ao brigadeiro Madeira de Melo que havia “notícias de que se tem fabricado muitas balas, e a pólvora tem tido muita extração [venda] nas lojas”. Em junho, reuniões de lideranças em Santo Amaro e em Cachoeira terminaram com documentos pedindo autonomia para o príncipe regente – naquele momento, ainda não se falava em independência completa de Portugal. No dia 25 de junho, em Cachoeira, a população homenageava dom Pedro na praça central quando 26 marujos portugueses, que guardavam a entrada da cidade em um barco parado no rio Paraguaçu, dispararam tiros de canhão. Quem tentava fugir era alvejado por soldados portugueses escondidos dentro de casas. Os brasileiros pegaram em armas, correram para a embarcação e, depois de três dias, tomaram a canhoneira e prenderam os marinheiros. Ato contínuo, o governo de Cachoeira se instalou no hospital São João de Deus e enviou mensageiros para as cidades vizinhas com um aviso: chegara a hora de lutar. Dois meses e meio antes de dom Pedro proclamar “independência ou morte”, os baianos já matavam e morriam para acabar com o jugo português. E continuariam lutando até julho de 1823, dez meses depois do acontecimento de 7 de setembro de 1822.
Vitória e carnaval cívico
Os poucos opositores de Madeira de Melo que ainda se encontravam em Salvador deixaram a cidade, e os militares portugueses que restavam no Recôncavo retornaram à capital. Trincheiras foram cavadas nos maiores municípios da região, em especial Cachoeira, Santo Amaro, São Francisco do Conde, Maragojipe e Nazaré. Os lusitanos se fecharam em definitivo na parte urbana de Salvador. Para evitar o cerco total, a partir de agosto fizeram oito tentativas de tomar a ilha de Itaparica, localizada perto da cidade. As maiores investidas parariam nos esforços de João Francisco de Oliveira Botas, o João das Botas, segundo-tenente da Armada Nacional e Imperial que chegaria do Rio de Janeiro em novembro de 1822. Por sua vez, os baianos cruzavam os arredores de Salvador e atacavam os fortes.
Portugal enviou reforços, o primeiro já em agosto – no dia 7, chegaram à Bahia, vindos de Lisboa, 600 soldados de infantaria, 100 de cavalaria e 50 de artilharia. Os brasileiros, a princípio, contavam com voluntários, comandados por oficiais militares e proprietários de terras e engenhos e compostos por brancos pobres, lavradores de fumo e mandioca e escravos. Mas dom Pedro também mandou homens. Como o Brasil não tinha Exército próprio, ele contratou estrangeiros vindos das guerras napoleônicas (1803-1815). O primeiro foi o francês Pierre Labatut. O novo comandante das tropas brasileiras levou a Cachoeira 510 soldados, seis canhões, 5 mil espingardas, 500 pistolas e 500 sabres. Labatut concentrou forças em um quartel improvisado em Engenho Novo de Pirajá, na fronteira entre os territórios inimigos. Em novembro, ali seria disputada uma batalha crucial.
Ela começou na manhã do dia 8, como uma movimentação portuguesa para reconhecimento das forças de Labatut. A reação brasileira foi violenta, e os combates forçaram o recuo dos 400 portugueses. Do lado brasileiro, entre os 1300 homens que guardavam sua posição, estava a soldado Maria Quitéria. Foi na Batalha do Pirajá que surgiu uma das muitas lendas que cercam a independência da Bahia: o corneteiro brasileiro Luís Lopes, que deveria comunicar uma ordem de recuo, se confundiu e acabou emitindo o aviso de “avançar, degolar”. O engano teria apavorado os militares portugueses, que recuaram, imaginando que os inimigos esperavam reforços.
Diante da derrota em Pirajá e da impossibilidade de tomar Itaparica, Madeira de Melo viu o custo de vida disparar na cidade. Enquanto isso, dom Pedro I contratava o almirante britânico Thomas Cochrane para liderar as forças por mar. Ele chegou à Bahia em abril, e no dia 4 de maio tentou tomar Salvador. Ao fim da maior batalha naval da guerra, as posições anteriores foram mantidas. Pior para Madeira, cada vez mais enfraquecido. Pela primeira vez desde o começo dos conflitos, os brasileiros iriam ganhar terreno. Em junho de 1823, ataques por terra, em várias frentes, acabaram com a tomada de postos de defesa portugueses. Acuado, e agora sem bases de defesa cruciais, Madeira de Melo preparou a retirada. Na madrugada de 2 de julho de 1823, Cochrane viu 84 embarcações deixarem a cidade. Ele as seguiu até a entrada da cidade do Porto, em Portugal, e conseguiu tomar sete navios. Enquanto isso, militares brasileiros entravam em Salvador cobertos de aclamações.
Desde então, o 2 de julho é tratado pelos baianos como a data da independência definitiva do Brasil. Todos os anos, um verdadeiro carnaval cívico toma as ruas de Salvador e das cidades do Recôncavo. “A independência só foi pacífica na região Sudeste. Aqui na Bahia, ela foi conquistada com sangue”, diz a historiadora Antonietta D’Aguiar. “Demos a vida para garantir a integridade do território nacional.”


Os grandes personagens da vitória contra Portugal
Mártir da causa - Joana Angélica

Perto do meio-dia de 20 de fevereiro de 1822, marujos e soldados portugueses saqueavam lojas do centro quando um grupo arrombou o portão lateral do convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Na porta da clausura, encontraram a madre Joana Angélica de Jesus, que disse a eles que só entrariam se passassem sobre seu cadáver. Um deles atravessou a baioneta no peito da madre e o grupo invadiu o local.
Soldado Medeiros - Maria Quitéria
Ela queria lutar. O pai disse “não”. Em 1822, Maria Quitéria de Jesus fugiu de casa, na localidade de Serra da Agulha, e entrou para o batalhão do major José Antônio da Silva Castro, avô do poeta Castro Alves. A soldado Medeiros participou de vários confrontos. Ao fim da guerra, foi recebida pelo imperador dom Pedro I. De volta à Bahia, morreu em 1853, cega, anônima e pobre.
Aventureiro francês - Labatut

Quando desembarcou no Rio de Janeiro, em 1821, o francês Pierre Labatut já tinha muita história para contar. Ele lutou nas guerras napoleônicas até 1807, quando foi feito prisioneiro. Depois, foi parar nos Estados Unidos, em 1810. Saindo de lá, lutou na Venezuela e na Colômbia, onde conheceu Simon Bolívar (1783-1830). Dali foi para o Haiti, e então para Bahia. Morreu em Salvador, em 1849.

Almirante ingLês - Thomas Cochrane

Ao chegar à América do Sul, em 1818, o almirante escocês Thomas Cochrane tentava dar a volta por cima. Depois de servir nas guerras napoleônicas, ele havia sido preso, sob a acusação de fraude financeira. Solto, acabou no Chile, onde lutou contra os espanhóis. Veio ao Brasil em 1823. No mesmo ano, recebeu o perdão do rei inglês e voltou para Londres, onde morreu em 1860.

Saiba mais - LIVROS
A Independência do Brasil na Bahia, Luís Henrique Dias Tavares, EDUFBA, 2005
Escrito por um dos maiores especialistas no assunto, explica as causas da guerra e narra, com grande riqueza de detalhes, seus principais momentos.
Guerras da Independência, Arlenice Almeida da Silva, Nova Fronteira, 1992 Mais didática, a historiadora descreve todos os conflitos que aconteceram entre brasileiros e portugueses depois da proclamação da independência.

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